domingo, 21 de outubro de 2007

Faltou um Kaufman

acabei de voltar da sessão de 'sonhando acordado', de michel gondry, que está passando na mostra internacional de cinema.

tinha tentado assistir na sexta feira, mas, com a já certa profusão de fãs histéricas/os que queria ver gael garcía bernal ao vivo, obviamente não consegui. sobrou como alternativa assistir ao filme no domingo à tarde e pegar uma fila para comprar o ingresso desde as 11 da manhã.

como todo evento que reúne muitas pessoas, teve barraco no cinesesc, mas ele não foi por causa do filme de gondry, mas sim por pessoas que não se informaram muito bem sobre a compra dos ingressos e queriam, ao meio dia, comprar suas entradas para filmes que só começariam a ser vendidas depois das duas da tarde.


confusões à parte, vamos ao filme.

ainda estou formando a minha opinião sobre ele. como primeira impressão, não pude não compará-lo a 'brilho eterno de uma mente sem lembranças'. devo dizer que prefiro o primeiro filme de gondry. este, que foi totalmente escrito pelo diretor (e não tem o dedo de kaufman, com quem ele criou 'brilho') e pode-se dizer que pelo menos ganha o mérito de ser a primeira investida do diretor com uma obra 100% sua no cinema. o filme tropeça muito, mas consegue se sair razoavelmente bem no final.
na história, stéphane miroux (gael garcía bernal) é um rapaz que mistura sonho com realidade. o próprio começo do filme não é mostrando a vida de stéphane no mundo real, mas sim é o seu sonho, no qual ele é um apresentador do programa 'stéphane tv', que fala sobre a teoria por trás dos sonhos. ele é um artista e tem um trabalho insuportável. se apaixona pela vizinha, stéphanie (charlotte gainsbourg), mas ela não está muito interessada nele, por mais que ela também não tente excluí-lo da sua vida (e, dado o comportamento de stéphane, você nem a culpa por não querer se envolver com ele). enquanto na vida real stéphanie não quer stéphane, nos sonhos eles estão juntos e é lá que ele a possui.

o filme tem seus méritos e seus pontos discutíveis. stéphane e stéphanie são personagens um tanto quanto irreais (o que é algo já bem diferente de 'brilho eterno', que possui pessoas com as quais podemos nos identificar), sendo que o primeiro é o que se destaca. gael garcía bernal interpretou muito bem o personagem, mas fato é: se uma pessoa como stéphane realmente existisse, teria levado uma surra há muito tempo. ele é um personagem romântico e sonhador, mas, da forma como foi construído, ele parece na tela um psicótico com uma cabeça infantilizada. em determinados momentos eu perdi a empatia por ele, uma vez que essa dose concentrada de irrealidade começou a me incomodar. e esta irrealidade se torna mais clara quando em diversos momentos do filme gondry mistura as ações do subconsciente, inconsciente e a realidade e daí gera as situações. em diversos momentos os sonhos de stéphane parecem cenas que acabam em si mesmas e não se ligam a outro lugar, deixando o filme com um aspecto de inacabado. e isso é lamentável, pois justamente essas seqüências são bem feitas e visualmente muito bonitas, como as animações em stop motion com o papelão, celofane, etc. pena que isso só não sustente a história.

por outro lado o filme consegue ser muito divertido nas seqüências passadas no mundo real. os outros personagens são muito mais verossímeis que stéphane, e por isso você simpatiza com eles e justamente eles que garantem alguns dos melhores momentos do filme. charlotte gainsbourg é uma das poucas incógnitas. não sei se gosto ou não dela. ela não possui química nenhuma com gael garcía bernal, mas fica bem como stéphanie. ela acabou sendo uma atriz neutra num personagem que poderia ter ficado muito mais convincente.

além disso, os diálogos foram bem construídos. gondry possui uma veia para a comédia que eu desconhecia, e os diálogos afiados (especialmente os que envolvem guy, colega de trabalho de stéphane) nas cenas com narrativa mais linear constituem as cenas mais dinâmicas, importantes e interessantes do filme, garantindo que ele não se perca no meio dos sonhos de stéphane.

este acabou por ser um filme mediano. algo que poderia ter sido muito mais, mas que nem por isso perde o seu mérito. como primeiro trabalho de gondry voando totalmente solo, deve-se reconhecer que não foi o seu melhor, mas que definitivamente já é um começo. mas este é o preço a se pagar sendo roteirista para aqueles que começam com um charlie kaufman no passado.

Um comentário:

Karina Nishioka disse...

Ow, foda, vc descreveu exatamente a impressão que eu tive. Saí do cinema achando que gostei bastante, porém ficaram uns buracos por serem preenchidos. Acho que o Gondry trabalha questões de relacionamento de uma forma bem particular que sustentou minha empatia neurótica durante os dois filmes.
Amei os sonhos. Muito bem descritos da forma mais "sonho" que se é possivel ser, e quanto a estéphanie, que pra vc foi uma incognita pra mim foi um destaque sutilíssimo do roteiro.
Gostava dela no 21 gramas, nesse também gostei.
Boa crítica =)