segunda-feira, 6 de outubro de 2008

A verdadeira cegueira


estou achando interessante a onda de críticas norte-americanas CONTRA o filme 'ensaio sobre a cegueira' de fernando meirelles. já fui assistir duas vezes e, quando olhei a cotação no site rotten tomatoes, vi que, surpreendentemente, a aprovação geral do longa é de 30%. pela crítica especializada, o filme aparentemente não foi compreendido, nem como obra cinematográfica e muito menos como uma adaptação literária. fiquei pasma ao ler que o final poderia ter sido diferente... como? isso sem contar ler asneiras como as ditas pelo conceituado crítico roger ebert, do chicago sun times, que não apenas achava que o final do filme poderia ser diferente, como ainda por cima disse que a cidade desconhecida era, na maioria das cenas, toronto (sendo que as filmagens no canadá foram pouquíssimas e, qualquer pessoa que se dê ao trabalho de assistir a uma entrevista de meirelles ou até mesmo pesquise por cinco minutos na internet vê que são paulo é o cenário de 90% das externas de 'cegueira'). outro comentário interessante foi a respeito da trilha sonora, que contava com sons altos de metais, balas, etc, o que ebert considerou uma 'violência aos seus ouvidos', ignorando completamente o fato de que, quando somos privados da visão, nossa audição fica muito mais aguçada e isso é ressaltado no filme, dado que o espectador ainda consegue enxergar muito bem, obrigada.

ah, sim, e há também a constante comparação ao 'senhor das moscas' e a constatação de que o filme é desagradável de se assistir. de fato. é um filme muito bonito, mas ele levanta a questão do que acontece quando somos privados de um sentido que pode nos dar uma sensação de poder e liberdade sem ninguém poder testemunhar nossos atos. nesse ponto toda a parte do sanatório é emblemática. a natureza real das pessoas aflora quando suas ações passam despercebidas - pelo menos visualmente-, o que para os internados da ala 3 significa abusar dos outros em benefício próprio. assim, pode-se mostrar tanto o melhor de uma pessoa que nunca se suspeitaria (como a mulher do oftamologista) como o pior também (no caso do personagem de gael garcía bernal).

neste ponto vale um adendo. deve ser de conhecimento geral o boicote em protesto ao filme feito pela a federação nacional de cegos dos estados unidos. bem, nem vou começar comentando a ironia que é uma federação de cegos criticando justamente um filme. considerando o nível de 'especialização' da crítica especializada americana, não me espanta esta reação. já li resenhas que diziam que as cenas que mostravam os cegos andando sobre as próprias fezes e a forte cena de estupro eram horríveis demais e que era terrível pensar que alguém, só porque ficou cego, perdeu a noção de civilidade. nunca foi levantado que este era um filme sobre cegos que se tornam monstros. na verdade isso é não apenas superficial como absurdamente burro (na falta de palavra mais adequada), dado que os ditos 'monstros' representam uma parcela apenas dos personagens e, assim como há pessoas que enxergam que podem ser boas ou ruins, não é porque alguém não pode mais enxergar que se torna imediatamente um santo.

acredito que há dois grandes pontos a se considerar sobre este filme no país de tio sam: primeiramente, que o moralismo norte-americano é maniqueísta, uma pobreza e aberração cultural que desconsidera as milhares de facetas e matizes da personalidade humana; nunca foi colocado no filme que deficientes são vilões, essa leitura rasa só poderia partir de um povo de mente limitada que lê apenas a capa de um livro e não seu conteúdo. segundo: pode ser uma idéia apenas minha, mas às vezes acho que o incômodo que este filme gerou é tão contemporâneo à história e momento atual dos estados unidos que ele basicamente apontou na cara de todos o que realmente está acontecendo. afinal, eis um povo que passou tanto tempo cego em relação à própria situação que, posto diante de uma situação limite e que prenuncia uma crise - das grandes, por sinal -, está lentamente entrando numa situação de caos, vide as addie polks que estão pipocando por lá diariamente. só espero que, assim como no filme, a cegueira branca dos americanos seja de iluminação e redenção, para que se traga uma consciência verdadeira de sua condição e comportamento, e que eles não caiam em uma escuridão absoluta.



OBS: uma dica para nossos queridos amigos do norte, primeiro escutem o que saramago disse, depois dêem seu palpite.




2 comentários:

Karina Nishioka disse...

Hoje no chá-com-bolinhos. Amanhã no Daily Mail.

Karina Nishioka disse...

Vai rolar um nankin aguado do Freddy. Trabalho com pareceria, olha que chique! É pra Subversos #3. Mas tem q ficar bom, c não não passo pelo processo seletivo!